31 de março de 2006

Ceifas

Quem não presta para comer, não presta para trabalhar. Diz o povo e também... os comilões.
As ceifas (trabalho agrícola sazonal) habitam as memórias de todos aqueles que integrados nos ranchos percorriam quilómetros e quilómetros para ir às ceifas e por lá andavam cerca de quinze dias. Numa época de magros recursos, as ceifas traziam um desejado suplemento económico para a economia familiar.
Os manajeiros organizavam os ranchos e dirigiam-se à praça, local onde eram contratados pelos patrões. Como é que se escolhia o melhor rancho? O critério aceite por todos tinha a ver com a habilidade para cantar e dançar. Assim, os manajeiros procuravam para os seus ranchos raparigas alegres e que cantassem bem. Os dotes vocais eram a garantia de um bom contrato. O povo não diz, mas poderia dizer: quem não presta p'ra cantar, não presta para trabalhar.

30 de março de 2006

Castanheira, terra de tecedeiras

A Castanheira (aldeia do concelho da Guarda) era uma terra de tecedeiras. Mas havia também sapateiros e ferreiros. Tantos eram os trabalhos e as canseiras que os relatos hoje recolhidos nos falam de uma terra em que as luzes nunca se apagavam. (Luzes ténues de candeeiros a petróleo, entenda-se.) Quando uns se deitavam, findo o serão que entrava pela noite dentro, outros já se levantavam para madrugar na arte. Terra de artistas, portanto.
Hoje apenas um tear se mantém em actividade regular. Já não é preciso carregar as mulas e calcorrear quilómetros em direcção às feiras das vizinhanças. As senhoras vêm de automóvel, de Coimbra e do Porto, em busca dos panos de linho e das mantas tradicionais. Quem quer aprender a fiar e a tecer? Quem quer encher canelas? Algumas raparigas já experimentaram, mas o trabalho é duro e, dizem, dá pouco rendimento. Restarão os teares, esculturas magníficas, verdadeiras máquinas do tempo que contam estórias em cada batimento.

29 de março de 2006

Ouvidos para ontem

A discussão acerca dos sentidos: olhamos, mas não vemos; ouvimos, mas não escutamos.
As mudanças profundas operadas na nossa sociedade puseram fim a um certo modo de vida e abriram caminho a outro(s). Ao lado ficam alguns, nem por isso menos importantes, nem por isso menos sabedores. Têm muito para contar, para ensinar. Ouvi-los faz parte de uma forma de estar e de sentir. Eles têm tempo. Rios de tempo. Os olhos brilham e as memórias jorram abruptamente. Mais as canções, as rezas e tudo o resto. Haja quem saiba ouvir.

O que passa por aqui

Os sons que nos rodeiam e nos inquietam os ouvidos. Também aqueles que de tão presentes nem ouvimos, nem ligamos.