19 de dezembro de 2006

Mãos que cantam

O acaso teima em atravessar-nos no caminho experiências fantásticas e encontros únicos. Há tempos encaminhou-nos para a Beira Baixa, mais propriamente para a Zebreira, uma localidade do concelho de Idanha-a-Nova. Pelo caminho fomos parando aqui e ali, recolhendo histórias e vidas. Encontrámos mulheres que cantam como poucas e que ainda são capazes de encontrar na memória canções magníficas, daquelas que arrepiam… sabem como é?
Curioso é o facto de não conseguirem cantar sem acompanhamento rítmico. Quando lhes pedimos para cantar e não têm um adufe à mão, dizem: “Mas cantar… como? Assim… sem adufe?” Então socorrem-se de qualquer coisa para produzir ritmo: uma garrafa de água, uma mesa que esteja próxima ou o próprio corpo.
Esta associação canto-ritmo resultou numa experiência profundamente enriquecedora. Encontrámos mestras que nos ensinaram os diferentes toques de adufe e as diferenças existentes entre eles. Do fundo do coração, obrigado. Ou, como se diz na Beira Alta, “bem-hajam”. Retribuir é uma obrigação: dia 6 de Janeiro, dia de Reis, estreará “Mãos que cantam” um espectáculo que reunirá as mulheres do Saca-Sons (grupo de mulheres da Zebreira, concelho de Idanha-a-Nova,) e Chuchurumel; ensejo para cruzar sons, vidas e canções.

17 de dezembro de 2006

Olha! Estamos cá!


É sempre (ou quase sempre) assim: jantar e depois voltar ao local do concerto para afinar, verificar que tudo está a funcionar devidamente (há máquinas temperamentais) e esperar pelo som que o André dispara da mesa. Será o momento de fazer levantar o Tapete Voador. No caminho recebemos a informação. "Olha! Estamos cá!"

Street music


Andava pela rua e abeirava-se das esplanadas. (Roma permite-se ter esplanadas em Dezembro.) Dei-lhe uma moeda. (Temos de apoiar os colegas.) Guardou-a na mão direita, juntamente com outras que já transportava bem apertadas. Reparei então na sua técnica: mão fechada para guardar as moedas e três dedos para percorrer devagar o teclado decrépito. A melodia repetia-se insistentemente em frases curtas. Philip Glass, está aí?

23 de novembro de 2006

GUARDA: paixão e utopia | 26 e 27 de Novembro, 21:30 | Teatro Municipal da Guarda


Espectáculo sobre o imaginário guardense com a participação de várias colectividades do concelho da Guarda. A acção decorre na Feira de S. João e aborda, em tom cómico, diversos factos históricos. D. Sancho I, a Ribeirinha, anjo da Guarda, Chamisso, D. Pedro e Libaninha são algumas das personagens deste enredo que celebra o 807º aniversário da Guarda. “Guarda: Paixão e Utopia” é um espectáculo festivo e alegórico baseado em factos reais e lendas que envolvem a cidade mais alta.
texto: António Godinho, Américo Rodrigues e Honorato Esteves
coordenação geral do espectáculo: Américo Rodrigues
direcção artística: José Rui Martins
direcção musical: César Prata
direcção técnica: Alberto Lopes
figurinos: José Rosa
cenografia e adereços Victor Sá Machado e Margarida Sá Machado

28 de junho de 2006

Polifonia















mil e um dias
mil caminhos

acasos_uns
fado_outros
o forte e o fraco

timbres incertos
nos olhos e nas mãos

27 de junho de 2006

Concerto



O concerto começou.

Cada espectador pode, agora, fazer a sua própria música. Aproximar-se, afastar-se, mudar de lugar... Tapar os ouvidos; com muita força ou apenas um bocadinho.

Afinal, é sempre assim: quantos concertos existem numa só noite?

Palco















Os momentos antes. É preciso ter a certeza: tudo está no sítio, tudo está pronto.
O Tapete Voador vai percorrer os céus, vai planar pelos sons das canções tradicionais portuguesas.
O local de embarque é magnífico.

Chuchurumel
Serpa ~ Espaço da Nora ~ 6 de Junho de 2006

26 de junho de 2006

escad[L]as


sete

agudo grave >> descer ¨trum¨¨

grave agudo << subir ¨dlim¨¨

umauma

duasaduas

¨¨¨so¨¨ö¨¨ns¨¨¨

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

9 de maio de 2006

Bolinhas a preto e branco


aqui está o segredo
é assim
que acontece o milagre
as imagens
são mesmo sons
afinal

7 de maio de 2006

a fechadura da chave


será esta
a fechadura
onde entra
a chave
que abre a porta
do castelo de Chuchurumel?

6 de maio de 2006

"EuroCeltas, mas felizes"


Não se sabe muito bem se curtiam músicas do mundo ou "new age" (mais ambiental). Para todos os efeitos, aqui fica a receita: pega-se numa gaita-de-fole, num violino a dar pró loopado, numa bateria com bastantes pratos e martelada qb. Depois basta juntar umas palminhas, de preferância a tempo. Um cheirinho de cordas e... voilá. Mistura-se tudo muito bem e leva-se ao micro-ondas. (Sim, porque segundo os investigadores mais empenhados - os mesmos que lhes estudaram os compassos e as melodias - os Celtas já usavam uma espécie de micro-ondas).
Cá por mim, para dizer a verdade, prefiro a música dos Lusitanos. O Viriato mandou-me um cd no outro dia e é mesmo boa onda. Se quiserem posso gravar, porque ele não se preocupa com os direitos de autor, nem tão pouco está inscrito na SPA.

24 de abril de 2006

20 de abril de 2006

Marafona da Santa Cruz



Foi a Ti Maria Oliveira que a fez. Juntamente com a marafona entrega um papelinho que diz assim:

Boneca de trapos feita a partir de uma cruz. Simboliza a Deusa Maia, Deusa da fecundidade. Não tem olhos para não ver e boca para não falar, porque é deitada na cama dos noivos na noite de núpcias, para dar sorte. Deitada em cima das camas, nos dias de grandes trovoadas, afasta-as.

19 de abril de 2006

Catarina Sargento - Ti Chitas


Passear por Penha Garcia, subir ao castelo, descansar os olhos nos moinhos e passar à porta da Ti Chitas, o nº 4 de uma casa branca, baixinha. Ouvir as memórias das mulheres, sentir as pedras debaixo dos pés e comprar uma marafona à Ti Maria Oliveira. Ouvir um AH!, consolado. Olhar à volta... Não há ninguém!... Ah!... Veio da alma.

15 de abril de 2006

Em vias de extinção



Quem declara os sons espécies protegidas? Quem protege determinadas expressões e palavras dos "páqui" e "páli" de todos os dias? Quando não houver ferreiros, onde vamos ouvir os martelos a bater nas bigornas? E a água a correr? Ainda a ouvimos?

4 de abril de 2006

Companhia



Era muito bom. Tinha vindo da Alemanha. Funcionou anos a fio até que se calou. Disseram-lhe que não valia a pena mandá-lo arranjar. Então arranjou outro novo. Umas vezes dá e outras... não. Ele não se importa: ouve quando dá.

3 de abril de 2006

a luz dos nossos ouvidos

Salva-vidas


As caixas não têm vontade própria. Tudo toleram: o bom, o mau... Tudo depende de nós. Podemos guardar coisas boas, ou não. Algumas caixas são diferentes; salvam vidas, salvam memórias, sons prestes a experimentar o silêncio. É bom usá-las.

2 de abril de 2006

Calor da noite


Antigamente não havia aquecimentos. Só a lareira. As noites eram frias. À noite ia dormir com a minha avó para a aquecer. Enquanto não adormecíamos cantava-me canções e contava-me estórias. Ainda hoje me lembro dessa canções e dessas estórias.
(Alice Botelho, 64 anos)

31 de março de 2006

Ceifas

Quem não presta para comer, não presta para trabalhar. Diz o povo e também... os comilões.
As ceifas (trabalho agrícola sazonal) habitam as memórias de todos aqueles que integrados nos ranchos percorriam quilómetros e quilómetros para ir às ceifas e por lá andavam cerca de quinze dias. Numa época de magros recursos, as ceifas traziam um desejado suplemento económico para a economia familiar.
Os manajeiros organizavam os ranchos e dirigiam-se à praça, local onde eram contratados pelos patrões. Como é que se escolhia o melhor rancho? O critério aceite por todos tinha a ver com a habilidade para cantar e dançar. Assim, os manajeiros procuravam para os seus ranchos raparigas alegres e que cantassem bem. Os dotes vocais eram a garantia de um bom contrato. O povo não diz, mas poderia dizer: quem não presta p'ra cantar, não presta para trabalhar.

30 de março de 2006

Castanheira, terra de tecedeiras

A Castanheira (aldeia do concelho da Guarda) era uma terra de tecedeiras. Mas havia também sapateiros e ferreiros. Tantos eram os trabalhos e as canseiras que os relatos hoje recolhidos nos falam de uma terra em que as luzes nunca se apagavam. (Luzes ténues de candeeiros a petróleo, entenda-se.) Quando uns se deitavam, findo o serão que entrava pela noite dentro, outros já se levantavam para madrugar na arte. Terra de artistas, portanto.
Hoje apenas um tear se mantém em actividade regular. Já não é preciso carregar as mulas e calcorrear quilómetros em direcção às feiras das vizinhanças. As senhoras vêm de automóvel, de Coimbra e do Porto, em busca dos panos de linho e das mantas tradicionais. Quem quer aprender a fiar e a tecer? Quem quer encher canelas? Algumas raparigas já experimentaram, mas o trabalho é duro e, dizem, dá pouco rendimento. Restarão os teares, esculturas magníficas, verdadeiras máquinas do tempo que contam estórias em cada batimento.

29 de março de 2006

Ouvidos para ontem

A discussão acerca dos sentidos: olhamos, mas não vemos; ouvimos, mas não escutamos.
As mudanças profundas operadas na nossa sociedade puseram fim a um certo modo de vida e abriram caminho a outro(s). Ao lado ficam alguns, nem por isso menos importantes, nem por isso menos sabedores. Têm muito para contar, para ensinar. Ouvi-los faz parte de uma forma de estar e de sentir. Eles têm tempo. Rios de tempo. Os olhos brilham e as memórias jorram abruptamente. Mais as canções, as rezas e tudo o resto. Haja quem saiba ouvir.

O que passa por aqui

Os sons que nos rodeiam e nos inquietam os ouvidos. Também aqueles que de tão presentes nem ouvimos, nem ligamos.